Oração Vocal


ORAÇÃO VOCAL

* Giovanni Marques Santos

“Senhor, abre os meus lábios, e minha boca anunciará o teu louvor.”
(Sl 51,17)

Uma história para fazer pensar

Como toda segunda-feira, as vizinhas estavam reunidas para rezar o terço juntas. Dona Márcia incumbiu-se do terceiro mistério da alegria:
- No terceiro mistério, contemplamos o nascimento de Jesus na gruta de Belém.
E começou a cantilena do pai-nosso e das Ave-marias. No entanto, Dona Márcia ficou tão enlevada contemplando a cena evangélica do nascimento de Jesus, admirando a  grandeza de um Deus que se fez pequeno no meio de nós, colocando-se ela mesma no meio de pastores, dos anjos, dos magos... que as dez Ave-marias logo se tornaram doze, treze, catorze...
- Essa Márcia não sabe mesmo rezar o terço! – murmuravam as vizinhas, sem entender nado do que o rosário significa.

Para conversar no grupo:
1 – Dona Márcia estava rezando bem ou mal o terço? Por que?
2 – Como vocês interpretam a famosa frase de São Bento sobre a oração: “que a mente esteja de acordo com a voz”?

Desde muito pequenos, aprendemos diversas fórmulas de oração – textos prontos feitos para o diálogo com deus. Essas formas consagradas de oração vocal existem em praticamente todas as religiões.

No cristianismo, a principal fórmula de oração é o Pai-nosso, atribuída ao próprio Jesus pelos evangelistas Mateus (6, 9-12) e Lucas (11, 2-4). Desde o tempo das primeiras comunidades, o Pai-nosso tem sido a maior jóia da espiritualidade cristã, sendo entregue aos catecúmenos adultos, em sua preparação próxima para o batismo, como modelo de toda oração. Além da oração do Senhor, muitíssimas outras preces e hinos foram sendo recolhidos pela diferentes tradições (católica, ortodoxa, anglicana, luterana...), bem como foram conservadas muitas fórmulas herdadas do judaísmo, especialmente os salmos.

Essas “orações prontas” têm a vantagem de ser uma espécie de síntese da fé para a comunidade religiosa. O Pai-nosso, a Ave-Maria, o Creio, a Salve-Rainha, o Glória e tantas outras fórmulas constituem, por exemplo, resumos da fé cristã que permitem aos fiéis ser “um só coração e uma só alma” quando os rezam. Trata-se de orar aquilo que se crê, como diz um velho ditado latino: lex orandi, lex credendi (“a lei do que se reza é a lei do que se crê”).



O problema está em, por vezes, a oração vocal aparecer desligada da oração interior. Pronunciamos as palavras de modo automático, enquanto o pensamento e o coração estão longe. A oração vocal só se torna autêntica quando exprime aquilo de que o coração está cheio. Retomando as palavras do profeta Isaías, Jesus chama a nossa atenção apara o risco da hipocrisia na oração: “Esse povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Is 27, 13; Mt 15, 8).

Assim, as primeira orações que aprendemos de nossos pais e de nossos catequistas correm o risco de ter o seu sentido esvaziado. São muitos os que perdem o hábito de rezar, adquirido quando crianças, por já não enxergarem significado na mera repetição de fórmulas. Como recuperar o sabor da oração vocal?

A oração da repetição

Um primeiro caminho para por de novo em sintonia voz e coração enquanto se reza é a prática da oração de repetição, uma tradição muito antiga que remonta aos grandes místicos do cristianismo oriental – os chamados hesicastas.  Por meio da repetição de uma oração breve, no ritmo da respiração e com uma postura corporal relaxada e tranqüila, as palavras vão penetrando mais e mais profundamente em nossa vida e coração, adquirindo significados cada vez mais intensos, mexendo com nossa própria história pessoal, promovendo nossa concentração e fé vida, até que a voz,a  mente e o espírito caminhem para uma sintonia verdadeira. Podemos repetir, por exemplo, entre tantas outras possibilidades:

- “Jesus”;
- “Pai Nosso”;
- “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”;
- “Só vós sois o Santo, só vós sois o Senhor”.

O efeito psicológico da repetição desses “mantras” cristãos é facilitar a nossa abertura para a ação do Espírito de Deus, que trabalha em nós quando oramos. Os hesicastas orientais têm grande apreço pela repetição da chamada “Oração de Jesus”: “Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”,  a pronúncia recorrente dessa fórmula conduz a uma ligação mais profunda entre o Mestre Divino e o discípulo que procura sempre mais a perfeição no amor.




Rezar com calma as fórmulas conhecidas

Outro caminho para a experiência da verdadeira oração vocal é rezar com calma o texto de uma oração conhecida, contemplando o sentido de cada palavra, de cada expressão. Com uma postura corporal adequada e a respiração tranqüila, pedimos ao espírito Santo que entre em nosso coração a fim de que ele mesmo possa orar em nós (cfe Rm 8, 26). Em seguida pronunciamos as primeiras palavras da oração, percebendo o que elas realmente dizem,  o que elas realmente nos dizem... Fazemos uma pausa, de quanto tempo quisermos, deixando as palavras pronunciadas  ressoar em nosso coração com todo seu poder de significado. Em quanto isso, outras palavras que brotam do nosso interior também podem se dirigir a Deus, agradecendo, louvando, pedindo conversão. Assim continuamos, pausadamente, com os restante do texto da oração.

Caso escolhamos o Pai-nosso, por exemplo, podemos nos deter na palavra “Pai”: Pai... Pai... Pareço não sentir nada... Deus tu és o meu pai. Tu és forte, és protetor, eu nasci de ti. Sou tão fraco, Pai... Cuida de mim. Cuida de nossos pais. Cuida das crianças que não têm pai ou que às vezes sofrem nas mãos de seus pais. Pai... Pai... Eu te amo, Pai. Faz-me parecido com teu filho Jesus...

Ao final, recitamos a oração inteira, com um novo sentido e um novo saber. Ou então, caso um trecho  tenha nos falado de modo muito especial naquele momento, naquele dia, permanecemos nele, sem o afã de querer completar o texto inteiro da oração.

O rosário

O rosário foi estruturado na Idade Média como uma forma de adaptar a Liturgia das Horas (recitação dos 150 salmos) à piedade popular, substituindo a oração dos salmos pela repetição de 15 Pais-nossos e 150 Ave-marias, enquanto se recordavam os mistérios contrais da vida de Jesus – sua encarnação, morte e ressurreição – e associando sempre a ele Maria, sua mãe. Em 2002, ao publicar a carta apostólica Virginis Mariae, o papa João Paulo II acrescentou ao rosário a contemplação de mais cinco mistérios, ligados à vida pública de Jesus.

O mais importante na recitação do rosário é a contemplação das cenas propostas nos “mistérios”: imaginar-se naquele cenário vivo, beber de seu sentido profundo, saborear a intimidade com Jesus e Maria, rever a própria vida e a vida do mundo à luz dói evangelho. A repetição das Ave-marias e Pais-nossos entra como um “fundo musical” para que possamos nos concentrar nas cenas contempladas.


Fonte: Da seção, Espiritualidade da Revista Ecoando, set/out de 2013, pg. 6-7.  São Paulo: Paulus, 2013.



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