Histórias do ponto de ônibus

Logo que cheguei ao ponto de ônibus, percebi que havia um coco (se acentua ou não isso?) de pombo bem no meio do banco. Afastei-me para um cantinho e sentei. E pus-me a observar os arredores.

Percebi que vinha apressada, subindo a rua, uma senhora de cabelos brancos com uma folha de papel nas mãos. Ela chegou ao ponto, olhou e arrumou o papel no banco. Mas sentou-se ao lado dele e não encima. E reclamou comigo da sujeira dos pássaros. Eu concordei que de fato, era um incômodo. Fiquei pensando comigo pra que aquele papel...
Logo vi que vinha subindo a rua uma outra senhora, desta vez não tão apressada. Com passos muito lentos e apoiando-se numa bengala. Logo que chegou ao ponto foi logo reclamando com a outra:
- Irani, você não arrumou direito o papel! Desdobre isso, assim não consigo me sentar.
- É que tem uma titica de passarinho aqui do lado.
- Titica de passarinho... Bem feito! Você devia ter sentado encima, Irani, que seria bem merecido, pois vale menos que uma titica. - E foi se assentando e reclamando das dores. Assim que se acomodou  me perguntou se o ônibus demoraria. Eu respondi que não sabia. Mas ela, pelo jeito, sabia sim:
- Que horas são? Vai passar logo. Daqui uns 5 a 10 minutos. - Ficou um pouco em silêncio e logo começou a contar que tinha feito uma cirurgia no joelho e que por isso estava com dificuldades para andar... E o quanto era difícil ser velha. Logo interrompeu, apavorada:
- Irani! Esqueci de tomar o chá! Você desligou o fogão?
- Desliguei. A senhora me mandou desligar.
- Não senhora! Não mandei não. Mandei você esquentar pra eu tomar. Irani, você não desligou o chá!
- Eu desliguei sim!
 - Olha lá hem! Não vi você desligar nada.
- Mas eu desliguei...
Logo a senhora da bengala voltou seu interesse para mim e afirmou novamente que o ônibus não ia demorar. Nisso, a Irani fez uma nova intervenção:
- Será que desliguei mesmo o chá?
- Ah, Irani! Você vai por fogo na minha casa! Vai queimar todos os meus documentos. E a geladeira que comprei não tem nem um mês?
- Por que a senhora não vai lá ver? - pergunta a Irani.
- Porque andando desse jeito vou levar um ano. E agora? O ônibus já vai chegar...
- Mas acho que desliguei sim.
- Acha, acha... Vai correndo lá ver, sua inútil! E logo porque vamos perder o ônibus!
E Irani pôs-se, apressadamente, a caminho.
- Ah Meu Deus! Ela vai me fazer perder o ônibus. Até destrancar o portão, destrancar a porta...
 Não resisti e intervi:
- Sua casa é longe?
- Não, não... é aquela ali de muro amarelo, dobrando a esquina você vê um pedacinho dela daqui. Mas a Irani é um monte! Não vai dar tempo. Já, já chega o ônibus.
- Ela é sua irmã? - Perguntei.
- Não. É minha filha. Olha lá. O ônibus vem vindo! E nada da monte... Perdi! Mas você pode ir minha filha, vou ali na rua de cima pegar o outro.
- Tá... Um bom-dia pra senhora.
E com o devido "consentimento" da mãe da Irani, entrei no ônibus em direção ao centro...


Ângela Rocha

"Comunicar-se com os outros é dizer as palavras que o amor escolhe."

Comentários

  1. Vc é tão observadora qto eu... Adoro estas histórias presenciadas bem de perto. No caso aí vc não só presenciou como tb participou. Adorei...
    Abcs

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